Sempre tenho um sobressalto quando abro minhas caixas de memórias espalhadas pelos cantos, nos pés das estantes. Nos resgates de notas e vivências, estímulos para a emoção se exercitar em um par de lágrimas. O jornal em questão foi do dia 2 de maio de 1994, uma segunda-feira após a morte de Ayrton Senna, em um dos domingos a 300 km por hora, inesquecíveis para quem viveu.
Mais que isso, minha filha Manuela tinha acabado de nascer na sexta anterior, 29 de abril. Tivemos um fim de semana bem triste e desalentador no hospital Santa Catarina, na capital paulista. E de uma felicidade única com a chegada da primeira filha.
Conto esse episódio no livro “Calhamaço de viagem’‘. A relação morte e vida, o exemplar da Folha pendurado na banca, outro exemplar que recebi como assinante. A relação entre quem parte e quem chega nesse mundo. O choro do médico, os soluços silenciosos das enfermeiras, os olhos inchados sobre máscaras hospitalares. O nosso sorriso constante com o novo ser que nos inspirava a viver com mais intensidade.
Ao encontrar novamente a edição amarelada, 28 anos depois, as questões ainda estão em aberto, os olhos ainda marejam diante das incógnitas e de hipóteses. De que são feitas nossas crenças? O que ergue nossa certeza na imortalidade? De que tipo de saudades estamos a falar?
Encontros e desencontros em cada esquina. Ou como encerro esse capítulo: “Todos os enredos que poderiam ser evitados, redirecionados ou confirmados. Todos os enredos desembocam no mesmo dia. Naquele dia, eu estava feliz. Mas tinha alguém triste; e alguém morto.”
Manoel Fernandes Neto. Foto: Cris Cirne