Por Manoel Fernandes Neto
Em conjectura para o jornal New York Times, em 1940, o físico Albert Einstein colocou de uma forma muito transparente a importância da busca de cada ser. “Está aberta a qualquer homem a possibilidade de escolher a direção da sua luta, cada um pode se consolar com a bela máxima que diz que a procura da verdade é mais preciosa que a posse desta.” (1)
O entendimento do ser como espírito encarnado deve ser conquistado na interação com o mundo em que vivemos, bem como no estudo de toda a obra espírita, rica e profunda para a compreensão das coisas da terra e do “além-túmulo”, termo usado.
No Brasil dos dias atuais, especificamente, multiplicam-se manifestações que clamam pelo resgate da cultura democrática e repudiam a dilapidação de direitos sociais. Essas ações contam com o apoio de diversos grupos, coletivos e organizações, espíritas ou não. Alguns desses manifestos ganham a repulsa desproporcional de correntes que invocam que o espiritismo não deveria ser “misturado” com “política” e “interesses partidários”.
O assunto é antigo. Retorna de acordo com o momento vivido. É perceptível para mentes atentas a existência de um grande equívoco em tentar separar a política das nossas filosofias. O que eu sou primeiro? Um espírito ou um espiritista? Ambos reencarnam como cidadãos em uma comunidade com ideologias e convicções. Bem mais fácil assumir isso do que tentar silenciar o outro com pequenos subterfúgios.
Você pode montar um grupo que discuta Espiritismo e ao mesmo tempo apoiar causas humanistas e iluministas. Mesmo que você fale em ideologia, partidos, isso não é invalidado se você é espírita ou atua em alguma organização. Inclusive é sensato trazer esses temas à sala de aula, para discussões e debates.
Na apresentação da obra “Espiritismo e Política”, editora FEB, de Aylton Paiva, de 2014, o Prof. Ayrton de Toledo coloca de forma clara: “sob o aspecto filosófico, o Espiritismo tem muito a ver com a política, já que esta deve ser a arte de administrar a sociedade de forma justa”. Cita ainda expoentes espíritas como Cairbar Schutel, Freitas Nobre e Bezerra de Menezes como exemplos de espíritas com atuação política. (2)
Patrulhamentos
Por que incomoda tanto a algumas correntes a defesa de bandeiras que podem tornar o país e o mundo melhores? Por que determinados grupos espíritas e pessoas ficam melindradas quando estão diante de ativismos em relação a causas dignas de luta: contra a pobreza, pela igualdade de direitos, pelo respeito à orientação sexual de cada um, à liberdade de escolha de gênero, contra um sistema econômico opressor, pela divisão igualitária de riquezas, pela democracia, pela valorização da ciência e dos saberes, entre outras?
Vivemos no tempo da pós-verdade. A manipulação diante da enormidade de informações entregue ao cidadão médio confunde e é uma tentação que isso seja usado para blindar convicções escondidas. Quando se invoca de forma vaga “interesses partidários” para impedir a livre atuação e o pensamento, mesmo no seio da doutrina, estão criminalizando algo baseado em crenças e ódios políticos.
O patrulhamento de espíritas em relação a posições sociais, políticas e culturais, utilizando a doutrina para isso, se enquadra em qualquer tipo de patrulhamento: a do ambiente corporativo, a da atuação socialmente responsável das empresas, para pensadores e professores. Patrulhar é uma forma sutil de censura, quando todos têm o direito à livre manifestação. No âmago, trata-se de pregar a antipolítica, repleta de rancores guardados no íntimo, contra as conquistas civilizatórias.
Manifestações fora do Espiritismo
Outras doutrinas, em alguns casos, estão muito mais resolvidas em posicionamentos políticos. O próprio Papa Francisco, em diversas de suas Encíclicas (3), tem falado muito claramente sobre democracia e direitos e até mesmo criticado o neoliberalismo. “O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se de um pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja”, diz o pontífice, enquanto alguns espíritas se melindram e se assustam em tocar no assunto.
No Brasil, na esteira do que estamos vivendo hoje, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), publicou um manifesto contundente: “Apoiamos e conclamamos às instituições da República para que, sob o olhar da sociedade civil, sem se esquivar, efetivem procedimentos em favor da apuração, irrestrita e imparcial, de todas as denúncias, com consequências para quem quer que seja, em vista de imediata correção política e social dos descompassos”. (4)
O Espiritismo impulsiona você a ser o que você é ou quer ser. Ele nos traz o humanismo acima de qualquer coisa. Usar a doutrina para criar um mundo em que política ou partidos são proibidos é não conhecer Kardec – ou conhecer e o utilizar como “doutrina de manobra”.
O mundo requer posicionamentos
Em muitas oportunidades contemporâneas, a tirania imperou no Brasil, Argentina, Chile, Alemanha, Espanha e Portugal, entre outras nações. E a história cobrou posicionamentos. Poucos personagens sobreviveram a esse julgamento. Na verdade, essas injunções no espiritismo, tentando colocá-lo dentro de uma caixa, serve de fato para um intento sinistro: alienar. Porque quando todo um pacote de regras quer impedir você de viver e de pensar de forma autônoma, isso está servindo a algum propósito, ou a alguns senhores, inconfessáveis ou não.
O mundo passa por mudanças drásticas, advindas da urgência climática. Enchentes inéditas na Europa e ondas de calor no Canadá são resultados do planeta abandonado à própria sorte. O escritor e líder indígena Ailton Krenak afirma que “a Terra pode nos deixar para trás e seguir o seu caminho, pois o planeta está com febre”. Diz ainda: “Nós estamos desorganizando a vida aqui no planeta, e as consequências disso podem afetar a ideia de um futuro comum – no sentido de a gente não ter futuro aqui junto aos outros seres. Os humanos serem finalmente incluídos na lista de espécies em extinção” (5), reflete Krenak ao som de poucos sussurros e lamentos de espíritas, diante da água subindo e do fogo queimando nossos biomas.
Em todo mundo, diversos grupos negacionistas desprezam a democracia, os direitos humanos, a ciência, a arte e o intelectualismo. Grupos organizados que utilizam da pós-verdade, da internet, para colocar representantes em posições chaves de governos e corporações; pessoas despreparadas, preocupadas somente com as próprias vantagens e com o senso comum, com o domínio do mais fraco e a extinção do estado de direito. Hordas de negacionistas de diversos tipos impulsionadas pelas redes sociais possuem vários tipos de camada de atuação, desde as mais visíveis até as mais sutis, que procuram deslegitimar qualquer participação que resulte em mudanças e transformações.
A busca constante pela verdade
Um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (6) traz um panorama sombrio sobre a capacidade das redes sociais com suas inverdades comprometerem nossa forma de viver. “Para os pesquisadores, o poder das redes de impulsionar mentiras levaria o planeta à ruína, com uma falta de confiança generalizada e a incapacidade de discernir a verdade da mentira.”
Com o Espiritismo liberto de amarras religiosas, abraçando a autonomia de pensamento e ação, o grupo ECK e a Revista Harmonia estão na trincheira de um entendimento cada vez maior dos tempos atuais. Faz história ao produzir conteúdos para diversos meios e material para reflexão, colocar esses temas em pauta de uma forma consciente e adulta, a saber que não existem respostas fáceis. Nega com veemência adotar o silêncio em relação ao que ameaça o humanismo, essência do Espiritismo.
Ou como diz Marcelo Henrique, fundador e um dos coordenadores do Grupo ECK:
“É por isso que se diz, ao conhecer a essência da proposta espiritista, que todos os espíritas comprometidos com a construção de uma sociedade socialmente justa e fraterna, acham-se seriamente preocupados com os destinos (físicos, materiais) da Humanidade e mantêm a capacidade mobilizadora da indignação e da solidariedade capaz de direcionar esforços para, com a fundamentação crítica da Doutrina dos Espíritos. Engajam-se, deste modo, os espíritas em movimentos e iniciativas voltados à luta para superar este perverso modelo social, substituindo-o, aos poucos e perseverantemente, por um melhor e mais ajustado aos reais propósitos da encarnação neste orbe.” (7)
Einstein é atual também quanto à possibilidade de cada um escolher a direção da sua luta.
REFERÊNCIAS
1- Einstein: sua vida, seu universo. Walter Isaacson, página 479.
2- Espiritismo e política – Federação Espírita Brasileira (febnet.org.br)
https://www.febnet.org.br/blog/geral/colunistas/espiritismo-e-politica
3 – “Fratelli Tutti”. Papa rejeita “dogma de fé neoliberal” no mercado – Instituto Humanitas Unisinos – IHU
http://www.ihu.unisinos.br/603458
4- Nota da CNBB: “A trágica perda de mais de meio milhão de vidas está agravada pelas denúncias de prevaricação e corrupção no enfrentamento da pandemia da COVID-19” – CNBB
https://www.cnbb.org.br/nota-da-cnbb-o-atual-momento-brasileiro/
5 – Entrevista Ailton Krenak: O Planeta está com febre. – Portal da Casa Espírita Nova Era – Blumenau – Santa Catarina – SC (se-novaera.org.br)
https://se-novaera.org.br/o-planeta-esta-com-febre-diz-ailton-krenak /
6- Cientistas acreditam que redes sociais podem ser a ruína da humanidade – Canaltech
https://canaltech.com.br/redes-sociais/cientistas-acreditam-que-redes-sociais-podem-ser-a-ruina-da-humanidade-188531
Stewardship of global collective behavior | PNAS
https://www.pnas.org/content/118/27/e2025764118
7 – O iluminismo e seu reflexo no Espiritismo – Portal da Casa Espírita Nova Era – Blumenau – Santa Catarina – SC (se-novaera.org.br)
https://se-novaera.org.br/o-iluminismo-e-seu-reflexo-no-espiritismo /
Imagem: Unplash
Artigo escrito para revista Harmonia de Agosto