Cartas à Manu

Cartas à Manu: lembre sempre do The Mountain Messenger

Querida Manu,

Nunca podemos deixar de fazer o que amamos. Digo isso porque no decorrer de nossas vidas vamos inventando concessões por uma série de motivos. Muitas dessas para seguir um dos tantos padrões da sociedade. Mas também pela nossa própria covardia de traçar um caminho diferente. Nos habituamos a achar que tudo é chegada, não percurso, e estacionamos naquele lugar que não queremos perder. Moramos nele por um tempo e mesmo depois de termos a certeza de que não nos serve mais, continuamos no mesmo lugar para não perder o que achamos que conquistamos.

Perder e ganhar. São dois conceitos vazios quando temos a perspectiva unicamente material. Tenho acompanhado algumas redes sociais. Diversas @s que nos mostram um mundo que às vezes esquecemos que existe, de amor e fraternidade. A retirar o ódio de algumas delas, podemos encontrar histórias belíssimas de fraternidade, em pessoas que buscam o verdadeiro lugar que preenche o espírito, na essência: o refúgio no movimento, de não estar parado.

Você sabe muito bem que tudo é provisório, Manu. O apocalipse zumbi chegará sim (já chegou?), de forma invisível e criado pela intolerância dos seres. Mas como bom otimista, como você me ensinou, sei também que vamos sobreviver a tudo isso. Todos nós, porque o que vemos com a nossa versão física é somente um tosco rascunho do que de fato é. Sem abstrações, Manu, é realidade. Devemos sempre olhar com os olhos do coração e da mente, porque de outra forma não veremos a essência. Ou somente veremos a insensatez, a intolerância, a mesquinhez. O mundo clama por avanços. O ultrapassado resiste, mas será combatido por boas histórias.

Em meio de todos os meus pensamos sobre o amor ao momento presente, surge aos olhos o “The Mountain Messenger”, o semanário mais antigo da cidade de Downieville,  e do Estado da Califórnia. A matéria foi publicada no UOL, reproduzindo o original do The New York Times. Conta a história de Carl Butz (foto no link), de 72 anos, viúvo, jornalista aposentado e de como ele comprou e se envolveu com essa publicação fundada em 1853 e prestes a fechar as portas, como tantos jornais impressos nos Estados Unidos.

Carl Butz arregaçou as mangas e decidiu que não era justo o fechamento de um jornal com tanta história. No dia seguinte da compra, levantou cedo e “foi encher” as páginas do jornal de pautas, textos, crônicas e poesias. Com o melhor que ele tinha conseguido em experiência nesses anos todos. A população da cidade aplaudiu emocionada. Sua iniciativa e os prejuízos certos não assustaram o velho jornalista. Ele disse ao NYT: “O horrível pensamento de que essa venerável instituição fecharia as portas e desapareceria depois de 166 anos de operação contínua era mais do que eu podia suportar. Era algo de que precisamos para conhecermos a nós mesmos.” Mas confessou: “É o jornal que está me salvando.”

Manu, ser feliz é de fato a força mais importante que nos habita. Conversaremos sobre isso pelas ruas de Dublin, mas saiba desde já que aprendi demais contigo nesse processo inteiro de sua ida para o velho mundo. Você está longe e perto ao mesmo tempo, porque minhas reflexões não cessam. A determinação e a garra, sua e do Bruno, nos permitem superar uma triste realidade atual, inclusive no Brasil: a falta de civilidade, a criminalização da ciência e do saber, o negacionismo de todos os processos civilizatórios.

Por isso é importante viver o momento presente. O foco naquele instante essencial da vida: o sorriso da criança, os abraços e sorrisos dos amigos, o vento nas árvores, o caminhar em silêncio pelas ruas da cidade; conscientes de que em todos segundos devem ser construídos pontes com o melhor da gente. Como fez Carl. Como faz você.

É nesse agora que devemos morar.

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