Cartas à Manu

Cartas à Manu: O místico e o laico diante da jornada

Manoel Fernandes Neto

Querida Manu

Temos acompanhado cada passo seu no mundo. Emoção pura. Cidades, pessoas, paisagens. Do que é feito o novo? Segundo tenho aprendido contigo, o novo é feito por partículas diversas. Podem ser estrangeiros com quem dividimos o quarto do hostel, pode ser a xará que nos aponta os melhores passos na trilha ou aquele lugar ermo que nos faz sentir que algo divino se espalha por lugares impensados.

No meu recente livro, escrevi sobre o medo da morte e sobre a brevidade da vida. Da impermanência como o estado natural da nossa caminhada. Quais os instantes que mais admiramos? Aqueles que estamos felizes, emanando vida e mensagens de otimismo ou intolerantes a fazer dieta de transcendência?

Coragem, sim, é algo que não lhe falta. Alguns nascem para o aprendizado e você é um desses — nem pior nem melhor, nunca devemos julgar —, somente a constatação de um fato; você busca o saber, estar no mundo de forma integral, sentir a si mesma e ao próximo sem imposições, sem recuos.

Também não economizo algumas emoções: tiro o lixo reciclado na certeza de mudança de hábito; revejo várias vezes o último episódio das minhas séries favoritas; ouço as histórias de quem encontro pelo caminho: o atendente do supermercado, o motorista de aplicativo, um pai aflito ante a chuva na porta da escola do filho.

Desde muito cedo, Manu, conversamos sobre as possibilidades surgidas na jornada. Mesmo aquelas trazidas pelas pseudociências que falam em concretizar pensamentos em realidade. Vejo você a sorrir e a gerar as paisagens que hoje vive na Europa com satisfação; mas lembro que você muitas vezes sorriu da mesma forma em cidades que já morou aqui no sul do país. Em outras palavras: você é o que é em todo lugar no mundo, perto dos seus, nas planícies, no trem ou nas passadas firmes em direção ao seu destino.

Às vezes, também as más notícias se multiplicam. Uma guerra na Europa nos preocupava bem antes do seu embarque, o que dirá da ativação de antigos conflitos com a certeza da falência da civilização a contaminar a todos. O novo normal tem gosto de sangue no café da manhã. Morte e destruição. Algo que abala muito a nossa família que sempre olhou para o planeta, a dor do outro lado do mundo nos compadece e revolta. Crianças e jovens com vidas roubadas. O horror. Assassinos com ou sem mandatos deixam um rastro de destruição e morte. Corações aflitos longe de ti.

Não acredito que as coisas já estão destinadas a acontecer com hora marcada, creio que a gente tem um caminho e escolhas para trilhar até alcançar determinado momento. Estar e ser se confundem. O agora e o depois são momentos iguais. Estamos em você e você está em nós, isso que importa.

Laico, simplesmente laico, mesmo se tudo pareça místico. Essa é a roupa que quero manter. Não deixá-la jamais pelo caminho. A jornada sempre está no começo. Estamos por aqui a saborear cada passo, a conectar com alto, no silêncio, invocando o melhor do universo e o melhor do seu espírito. Fim e começo. O belo e o caótico. O amor e a insensatez. A jornada e o labirinto. O grito de dor e o prazer dos sentidos.

Te amamos em todo e qualquer momento.

Na foto, Manu em  Salzburgo, Austria.

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