Manoel Fernandes Neto É nova a sensação de acordar feito suspeito. Como cão vadio e sarnento, apesar de saber que possuo conta no banco, cartão. Créditos sob códigos. Gerente de plantão. Secretária gostosa e mentirosa me oferecendo cafezinho: “O senhor já tomou? Está fresquinho”. O néon da rua já apagou, mas ainda o tenho na íris. Tem colchão de palha, armário vazio, recepcionista desdentado e sonolento: descarado de beco. Tem privada com cheiro de urina e desejo, lençol com marcas de amores infiéis e gozos remunerados. Tem o detalhe. Barulho no corredor. Conversa entre homem e mulher. Só eu percebo o fino golpe de navalha no pescoço dela, que usa…
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O dia da morte
Manoel Fernandes Neto Nunca imaginei que lápides de bronze em campas vitrificadas fossem tão caras. Sou obrigado a me contentar com a caiação branca, daquelas que grudam na roupa em Finados. Enfim, regateio a melhor maneira de deixar minha derradeira mensagem, minha morada definitiva. Amanhã, estarei morto. Devo comprar fiado. Só assim deixo de pagar conta em dia, única preocupação nos últimos anos, em que acordei às seis, li meu matutino até às nove e na hora em que o banco abria, lá estava eu. Primeiríssimo da Silva. De alguma maneira gostava daquilo. Dizer o primeiro bom-dia ao caixa, contar as principais novidades da cidade. Vez por outra, ser convidado…